domingo, 2 de março de 2025

 1853-1855 (PARTE 01)


APÓS AS PRIMEIRAS RÉCITAS de La traviata, Verdi voltou a Sant'Aga-ta, Cesare de Sanctis tentou fazê-lo interessar-se por um libretista napolitano chamado Domenico Bolognese, como possível sucessor de Cammarano, e Bolognese sugeriu a Verdi um ou dois temas, entre eles Fausto, mas nenhum pareceu estimular a imaginação do compositor. “Adoro Fausto”, disse Verdi a de Sanctis, “mas não gostaria de transformá-lo em ópera. Estudei-o mil vezes, mas não acho que o personagem de Fausto seja musical, isto é, musical do modo como penso em música.”
Se Verdi se desinteressava pelos temas que estavam lhe sendo propostos, isso pode muito bem ter sido porque o Rei Lear voltara a atrair ativamente sua atenção. Em abril, o famoso dramaturgo Antonio Somma escreveu-lhe sugerindo que trabalhassem juntos numa ópera. Somma, advogado de profissão, era o autor de inúmeras tragédias de sucesso e, durante sete anos da década de 1840, fora diretor do teatro Grande de Trieste. Em sua resposta, Verdi expôs algumas de suas ideias concernentes ao teatro e à ópera. Sua atitude, disse ele, mudara no decorrer dos anos e ele já não se interessaria mais em musicar temas como Nabucco e I due Foscari, porque, apesar de dramáticos, faltava-lhes variedade. Pelo mesmo motivo, por mais elevados que os dramaturgos gregos e romanos pudessem ser, sua preferência era por Shakespeare, a quem admirava acima dos demais. Dez anos antes, disse ele a Somma, não teria se arriscado a compor Rigoletto, mas, de fato,no que diz respeito à eficiência dramática, parece-me que o melhor material que já musiquei (não estou falando de valor literário ou poético) é Rigoletto, Tem as situações dramáticas mais fortes, bem como variedade, vitalidade e pathos. Todos os seus desenvolvimentos dramáticos resultam do personagem frivolo e licencioso do dugur, Dal os temores de Rigoletto, a paixão de Gilda e assim por diante, que suscitam tantas situações dramáticas, incluindo a cena do quarteto que, no que diz respeito ao efeito, será sempre uma das melhores que o teatro pode exibir, Verdi terminou sua carta sugerindo que Somma desse uma olha da em Rei Lear, “Farci o mesmo”, acrescentou ele “já que não o com Cammarano e escrito sua própria sinopse, Agora ele relia a leio há muito tempo.”

Fazia três anos que ele havia discutido Lear peça e via-se novamente atraído para o seu mundo. Logo ele e Somma estavam envolvidos numa detalhada correspondência, cujo tema era a criação de uma ópera a ser baseada na peça de Shakespeare. O gênio criativo de Verdi estava agora pronto para lidar com as exigências deste tema, talvez a maior de todas as tragédias.
de Shakespeare, e parecia que, dessa vez, Il re Lear, de Giuseppe Verdi, finalmente viria à luz. "A escolha me serve", escreveu Somma ao compositor, após terem ambos relido Lear, "não somente devido ao que o grande drama é em si, mas também porque é diferente de qualquer dos temas que você até agora musicou. Se se decidir a fazê-lo agora, eu concordaria feliz em escrever o libreto." Somma deu seqüência a um esboço em cinco atos, mas Verdi sugeriu reduzi-lo a três, ou, no máximo, quatro. “Tenha em mente a necessidade de absoluta brevidade", aconselhou a seu, mas recente libretista. "O público se aborrece com facilidade," Por volta do final de junho, Somma terminou a revisão de seu esboço e Verdi acompanhou suas observações sobre ele ao libretista com uma carta:
Faça o que achar conveniente com as notas que lancei sobre seu esboço. Há duas coisas a respeito desse projeto que andam me preocupando, Primeiro, parece-me que a ópera está se tornando excessivamente longa, especialmente os dois primeiros atos, Assim, se você puder encontrar alguma coisa que cortar ou condensar, faça-o: o efeito só se engrandecerá. Se isto não for possível, pelo menos faça o melhor que puder para dizer as coisas com tanta brevidade quanto possível nas cenas menos importantes. A segunda coisa é que acho haver muitas mudanças de cenário. Aquilo que sempre me impediu de fazer ma'or uso dos temas shakespearianos foi precisamente a necessidade de mudar os cenários o tempo todo, quando eu ia ao teatro, isso me aborrecia imensamente; era como olhar uma lanterna mágica. Nisso os franceses estão certos. Eles planejam seus dramas para que precisarem de somente um cenário para cada ato. Deste modo, a ação flui livremente, sem estorvos e sem nada que distraia a atenção da plateia Compreendo inteiramente que em Lear seria impossível ter somente um cenário para cada ato, mas se você conseguir dispensar alguns deles, isso ajudaria muito, Pense a respeito e, quando tiver ponto algumas cenas em versos, envie-as para mim.

Antonio Somma trabalhou nesse libreto no decorrer do verão, enviando a Verdi cena por cena, recebendo em troca as sugestões e críticas do compositor. Apesar de experiente dramaturgo em versos, Somma nunca escrevera um libreto de ópera e Verdi póde instruí-lo nas exigências especiais envolvidas na escrita de versos para música. "Tudo pode ser musicado, é verdade", escreveu o compositor, mas nem tudo funciona com eficiência. Para compor música, precisa-se de estrofes para escrever cantabiles, estrofes para escrever conjuntos, estrofes para compor largos, allegros, etc. etc., e todas variadas, de forma que nenhuma resulte fria e monótona. Permita-me agora examinar essa sua poesia. Não vou mencionar a ária de Edmund, apesar dela mudar abruptamente demais de adágio para allegro. Pode ficar como está. No duettino seguinte, você não me deu lugar para uma melodia, nem mesmo para uma frase melódica, mas uma vez que é breve, pode ficar assim, se você acrescentar uma estrofe de quatro linhas na mesma métrica para Edmund e o mesmo para Edgar. A parte seguinte, que, musicalmente falando, seria o final do ato, cria problemas. As estrofes do Bobo são ótimas, mas a partir do momento em que entra Goneril já não se sabe o que fazer. Talvez você tenha imaginado aquelas estrofes de seis linhas como um junto, mas as escreveu como diálogo.

Por isso, os personagens devem responder reciprocamente e, consequentemente, suas vozes não podem se unir. Depois, pelo mesmo motivo, seria preciso fazer o mesmo conjunto com as estrofes de oito linhas quando Regan entra. No final, você faz com que Goneril e Regan saiam e Lear termine o ato sozinho. Isto é bom numa tragédia, num drama declamado, mas em música, o efeito seria, para dizer o mínimo, frio, Verdi então prossegue sugerindo modos em que a cena poderia se tornar mais eficiente. No final do verão já havia recebido dois atos do libreto de Somma, que levou para Paris, onde ele e Giuseppina passariam os próximos dois anos, pois Verdi se comprometera a compor uma nova obra para a ópera de Paris, que seria encenada em dezembro de 1854.



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